1 parágrafo de crônica de Fernando Sabino
3 frases (de sopa) de José Saramago
4 fatias de Houaiss
3 pensamentos esparsos de Heráclito
Adélia Prado moída na hora
Misture todos os ingredientes num copo de espumas flutuantes.
É claro que há um preço a pagar nisso tudo. Se eu for a minha própria lição de casa, não terei como acusar os outros dos meus fracassos. Está aí uma frase que desencadeia processos de amadurecimento.
Ele amava a literatura, escrevia sobre estética teológica e, entre outros gênios, conhecia por dentro Kierkegaard e Bernanos. É, a meu ver, um autor confiável em tempos de teologia rasa e chutes autoajudísticos.
Lembro-me que li inadvertidamente, com meus 17 ou 18 anos, Genealogia da moral. Um terremoto. Passaram-se 30 anos, e Nietzsche para mim, hoje, é muitas vezes bálsamo. Naquela altura, porém, vivendo um cristianismo ingênuo, e sem o preparo necessário, senti minhas entranhas se contorcerem.
E que tipo de problemas merecem essa intervenção radical? E quantas horas durará a cirurgia? Quantos dias, talvez? O que caracteriza a leitura cirúrgica? Que cirurgiões literários já atuaram em mim? Em você?
"Aí está a poesia: de pé, contra a morte. A poesia tem o poder de derrubar os muros das próprias palavras. E mesclar neste plano poético coisas que, na vida, parecem água e azeite."
"Na solitária, consegui manter a saúde mental recitando poemas, lembrando de histórias, atuando performances cômicas. A literatura defendeu minha sanidade." (Folha de S.Paulo, 26/10/2009)
Um desconcertante aforismo do Dr. William Osler (1849-1919), canadense, pai da medicina ocidental moderna: "Um dos primeiros deveres do médico é ensinar às massas não tomarem remédio."
(Franco Matticchio, desenhista italiano)
"À leitura deslizante ou horizontal, um simples patinar mental, é preciso substituir pela leitura vertical, a imersão no pequeno abismo que é cada palavra, fértil mergulho sem escafandro."
Mario Quintana (1906-1994), em seu Da preguiça como método de trabalho, escreveu:
"Uma casa põe chapéu para não perder mais o guarda-chuva. Uma casa não pode permanecer arrumada, como se estivesse à venda. Uma casa depende de alguma desordem, um atalho, um alçapão para conservar vinhos.
"Literatura serve para muitas coisas. Serve para informar, serve para divertir — e serve também para curar ou, ao menos, para minorar o sofrimento das pessoas." (pág. 153)
Li no ano passado o romance Meninas inseparáveis, de Lori Lansens (Editora Globo), e a uma certa altura chorei bastante ao viver "por dentro" a certeza da morte.
São versos de Manoel de Barros (1916-), em Livro sobre nada. Sobre nada, sobre coisas insignificantes aos olhos de alguns, ou aos olhos de muitos. Poesia como algo que vale pouco ou nada vale.
Céticos e fanáticos não admitem polifonia de sentidos. Soa-lhes imoral sair dos trilhos. Roland Barthes, olhando enviasado, está prestes a dizer que nunca me viu antes.
Seria este livro de Japiassu (existem outros semelhantes) para quem gosta do gênero ensaios. Para quem prefere poesia, eu recomendaria Thiago de Mello (1926-), em particular o de Os estatutos do homem, poema de 1964, que termina assim:Artigo Final:
Fica proibido o uso da palavra liberdade
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
ou como a semente do trigo,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Virginia Woolf (1882-1941) dizia que ler é como abrir uma porta e ver uma horda de loucos atacando nosso corpo em vinte pontos ao mesmo tempo. Ler nos protege de superstições e outras manias mentais. Ler nos pergunta se, afinal, temos ou não convicções. Ler problematiza a vida, apresenta-nos paradoxos, põe à nossa frente contrastes e nuances, nos ensina a perceber ambiguidades e contradições.1. A dimensão profilática — leitura para prevenir, leitura para adquirir um sistema de convicções, leitura como alimentação saudável, leitura para nos vacinar contra equívocos e desesperos, leitura como atividade equilibradora, leitura como orientação existencial, leitura como autoeducação, autodisciplina, autoconhecimento etc.
2. A dimensão medicativa — leitura para combater anemias existenciais, leitura como desinflamadora de incêndios emocionais, leitura para curar dores anímicas, leitura para curar dores de cabeça (ideias fora do lugar), leitura para combater azias crônicas, leitura na hora da febre, leitura para regular as pressões etc.
3. A dimensão cirúrgica — leitura para arrancar tumores da inteligência, leitura para salvar o coração fragilizado, leitura para transplantar órgãos vitais, leitura para recuperar a visão, etc.
Comecemos, amanhã, a falar de leitura profilática.
"Um homem que lê deveria sentir-se intensamente vivo. O livro deveria ser um bola de luz em suas mãos." (Ezra Pound, em Guide to Kulchur. New York, New Directions, 1970, pág. 55)